segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Por acaso não temos todos uma idade?

Num primado em que o propósito da inclusão social recai sobre a inculcação de valores éticos e morais revela-se, estritamente necessária, a promoção de contextos sociais equitativos assentes em intervenções de base sistémica.
Assim, e extrapolando de uma constatação, meramente demagógica, para uma abordagem, tendencialmente empírica, entendi oportuno recorrer à evolução conceptual de alguns dos mais controversos paradigmas sociais e sustentar de modo, mais efectivo, a minha reflexão.
Neste âmbito, e, embora, inicialmente designadas, sociedades para todos, rapidamente e num estruturado pretexto de reconversão, as sociedades passaram a preocupar-se, quase exclusivamente, com factores de carácter etário, conotando os grupos sociais de um significado, estritamente, cronológico.
Surgem, assim, as designadas sociedades para todas (as idades). Aquelas que pretendendo, teoricamente, ajustar-se às emergentes vicissitudes sociais, tentaram rentabilizar as potencialidades de todos em benefício dos constrangimentos de cada um.
A configuração social baseada (na idade) começou, assim, a ganhar terreno, promovendo a disseminação de estereótipos e preconceitos, emanados, muitas vezes, de bases de senso comum, a partir das quais se fomentou a construção de uma realidade multigeracional, baseada mais na discriminação positiva que no, efectivo, respeito pelas pessoas como seres íntegros e individuais.
Mas, afinal, o que são pessoas (de idade)?
Talvez aquelas que se converteram num objecto de manipulação crescente, justificado pela antonomasia das políticas, dos governos e dos seus governantes.
Só gostava de saber se, por acaso, alguém informou essas pessoas (de idade) que são, social e estatisticamente, rotuladas como tal. Será que alguém teve a sensibilidade de não impor, mas sugerir, de não castrar, mas incluir. Será que alguém apelou ao bom senso da democracia e deu voz activa a essas pessoas (de idade)?
Pois é, parece que essas tais pessoas (de idade) são, hoje, não mais que protagonistas passivos, marionetas sem voz, objectos de manipulação, sem autonomia, nem palavra, sem opinião, nem decisão própria.
E como se a dose de discriminação positiva não fosse, até ao momento, suficiente, a prioridade seguinte foi pré-definir uma panóplia de problemáticas, obrigatoriamente, inerentes às pessoas ditas (de idade) e formatá-las a todos os contextos de intervenção.
Neste sentido, e das mais polémicas e controversas medidas adoptadas, saliento os princípios defendidos pelas Nações Unidas que, assentando na promoção da independência, da participação, dos cuidados, da auto-realização e da dignidade, reforçaram, uma vez mais, a crescente promoção de profecias auto-cumpridas entre as pessoas (de idade).
Mas, a história da discriminação positiva não fica por aqui.
O foco de atenção que recaía sobre todas (as idades) começa agora a delimitar-se.
Se antes se falava de uma sociedade para todas (as idades), começa agora a fala-se de pessoas (de idade).
Mas que são, afinal, pessoas (de idade)? Será que não temos todos (uma idade)?
Talvez essas pessoas (de idade) sejam, simplesmente, pessoas. Não sei, digo eu!
Começo a convencer-me que esta representação social da categoria de velhice, mais do que do próprio processo de envelhecimento, quase sempre vivenciado de modo alheio e impessoal, foi o que deixou a porta aberta para a promoção de uma sociedade mais quantitativa e menos humana.
Não seria, bem mais eficiente, intervir com as pessoas, e não para as pessoas?
Não seria, bem mais eficaz, intervir com as pessoas, ajustando as acções às suas necessidades reais?
Não seria, mais efectivo, actuarmos numa base de avaliação das necessidades, dos problemas e dos factores de dependência em vez de criarmos moldes ajustados (às idades) como se de uma produção fabril de tratasse?
Não estaremos nós a etarizar de um modo, demasiadamente irreversível, questões tão simples como o respeito pelas pessoas?
Não seremos nós os principais implicados na complexificação de uma realidade social que se perspectiva, cada vez menos inclusiva e mais castradora?
E tudo isto porquê?
Porque, nos impõem estatisticamente, a partir dos 65 anos, a utilização de rótulos indiferenciados? Ou porque a partir dos 65 anos nos resumidos a irreversíveis encargos sociais agravados pela fragilidade, pela pobreza e pela solidão?
Termino, apelando à reflexão. Por acaso não temos todos (uma idade)?

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