quinta-feira, 19 de junho de 2008

O Imaginário Social da Categoria de "Velhice"


Intrinsecamente inseridos numa sociedade altamente globalizada e fortemente competitiva, vivemos diariamente sobre um manancial de procuras e ofertas, trocas e ganhos, perdas e vinganças.
A actual estrutura social induz a que uma série de atitudes e comportamentos assumam o formato de práticas comuns, inviabilizando a supremacia de algo mais válido ou transcendente.
Esta concepção competitiva e, perfeitamente individualista, leva-nos a considerar que o Homem não mais idealiza do que o lucro, o vencimento, a perfeição, a beleza e a satisfação, defendendo, progressivamente, e cada vez mais a categoria de velhice como sendo uma sombra negra, uma ausência de existência, uma inércia referencial.
A imagem conturbada e, muitas vezes, estereotipada criada em torno de todos aqueles que pelas contingências da vida se enquadram ou são enquadrados na categoria social de velhice, viabiliza a descrente noção de que o ser humano deixa de existir, passando automaticamente a considerar-se involutivamente criança.
Torna-se, nesta perspectiva, particularmente relevante o paralelismo frequentemente discriminado entre a condição enquadrativa de velhice e os princípios de prazer e de realidade basilarmente referidos por Freud. Tomando como linha de orientação estes dois princípios ou paradigmas existenciais torna-se relevante o enquadramento de todos os indivíduos num princípio emergente de realidade, coerência e coesão social, regida por regras e normas de intervenção, contrariamente à forçosa inserção de crianças e pessoas idosas num princípio regido pela satisfação imediata de necessidades primárias, subsequentes a esquemas de organização mental perfeitamente rudimentares e prematuros.
A imagem disturbada e, maioritariamente, inadequada de velhice, confirma ser aquela que mais tempo permanece ao longo da vida mental humana, sendo, no entanto, aquela que mais abstractamente se encontra configurada e aquela em que a maioria dos indivíduos receia enquadrar-se.
Torna-se, desta forma, necessário desconstruir a noção pré-concebida e preconceituosa de velhice, tentando para isso, tornar-nos cidadãos activos, dotados de conhecimentos válidos e assertivos, capacitados a viabilizar uma intervenção esclarecedora e conhecedora dos verdadeiros paradigmas existenciais.
É necessário que as “profecias auto-cumpridas” sejam, eliminadas do nosso trajecto de vida, devendo todos nós, contribuir, activamente para a desconstrução de ideias e ideais puramente erróneos.
Torna-se urgente desmontar ideias pré-concebidas e erradicar mitos gerontofóbicos, contribuindo para a construção globalizada de “velhices”, viabilizando o destacamento do vivo de cada sujeito em toda a sua singularidade e especificidade.
A questão da etarização da vida humana constitui, certamente, uma das mais vinculativas formas de exclusão social da pessoa idosa, contribuindo para a homogeneizada noção de velhice, bem como, para a estrangulada e irreversível participação social, cultural e económica deste grupo populacional.
Todo o sistema estrutural e conjuntural actual deverá caminhar no sentido de viabilizar a reconstrução da noção básica de organização social, readaptando sistemas, organizando soluções e modificando mentalidades.
Embora vincadamente interiorizada como o final da vida ou a inexistência de partilhas, a velhice deverá vir a ser repensada como uma categoria multifacetada de gostos, experiências, expectativas, projectos, sentimentos e desejos, podendo, mesmo, vir a referenciar-se como um conjunto de categorias de várias velhices.
É tempo de não igualar a noção de velhice a um problema social e de repensar a questão do envelhecimento como sendo uma contingência natural do desenvolvimento científico e tecnológico.
Torna-se urgente readaptar toda a estrutura social, cultural, económica e política, preparando as sociedades, bem como, as gerações vindouras para um mundo mais tolerante, assertivo e inclusivo.
Chegou o momento de fazer repensar o senso comum, assim como, todos aqueles que de forma esforçada, mas por vezes espartilhada se dedicam ao pejurativado estudo de temáticas exclusivamente de foro gerontológico ou geriátrico.
Talvez tenha chegado o momento de todos percebermos que a heterogeneidade da existência humana se revela ao longo de toda a novela da vida e que serão muitas mais as semelhanças entre dois jovens do que entre duas pessoas idosas.
Todo o sistema social privilegia a exclusão, o afastamento, a solidão e o isolamento, promovendo e vendendo a categoria de velhice, sobrevalorizando de forma negativa a naturalidade de uma circunstância.
Somos, efectivamente, levados por uma vaga de idealismos e radicalismos capacitados a entitular-nos de forma indiscriminada como se de uma produção fabril se tratasse.
A questão da velhice humana continua a ser um problema de ordem social, que embora, ultrapassando as contingências biológicas continua a confundir-se com o desprezo, a indiferença e o abandono.
É preciso trabalhar o mundo, as sociedades e principalmente as famílias capacitando todos e cada um a olhar as pessoas como seres íntegros ao longo de toda a vida, dotados de direitos e deveres, gostos e desejos.
Torna-se cada vez mais absurdo entender o processo de reforma como uma passagem homogeneizada e compartimentada do percurso de vida humana, rigidamente instituída por processos de força maior. O processo de passagem à reforma acarreta inúmeras alterações as quais exigem uma importante e significativa reestruturação de papeis sociais, nomeadamente no que concerne à singular descoberta de práticas e orientações sociais, como sejam, a reforma-reforma, a reforma terceira idade, a reforma lazer, a reforma reivindicação e a reforma participação.
Embora tendo lugar na última fase do ciclo de vida familiar, o processo de reforma, entrecruza-se com uma série de acontecimentos e situações, tornando-se fundamental englobar em todas as manifestações, não apenas, o indivíduo enquanto agente activo e singular, como também a família, redefinindo relações, quer com as gerações mais novas quer com as gerações mais velhas.
A este nível Mc Goldric menciona uma série de tarefas a ter em conta nesta fase de ciclo de vida, nomeadamente a nível da manutenção de interesses próprios e/ou do casal, na exploração de novas opções familiares e sociais, no papel de destaque da geração intermédia, na aceitação da experiência das gerações mais velhas, bem como, na aceitação da perda do cônjuge.
Embora constituindo um processo de fácil compreensão para quem o percepciona, o processo de preparação para a reforma nem sempre encontra contornos tão lineares, devendo por isso privilegiar intervenções exteriores capacitadas a viabilizar uma mais fácil e concertada invocação para a situação de reformado.
A este nível torna-se útil, uma vez mais, compreender a heterogeneidade da população, antecedendo o conhecimento de diferentes personalidades, adequando, desta forma, a organização planificada de preparação para a reforma à especificidade de cada indivíduo e de cada situação.
Todas as questões atrás mencionadas encontram em si uma série de condicionantes externas e internas, subjacentes a todo o enraizamento cultural e socialmente instituído em torno da imagem da pessoa idosa.
Constituindo um processo de implementação social e cultural, a imagem da pessoa idosa deve sofrer um processo de reconversão ideológica, viabilizando a crescente emancipação normalizada, de quem apenas quer viver!

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